Quase um século após sua morte, o destino da fortuna deixada por Eufrásia Teixeira Leite virou motivo de uma investigação recente do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Reconhecida como pioneira no investimento autônomo no mercado financeiro brasileiro, Eufrásia acumulou um patrimônio que, segundo estimativas de historiadores, ultraaria R$ 1 bilhão nos valores atuais — o equivalente a quase duas toneladas de ouro.
Nascida em Vassouras, no antigo Vale do Café, a aristocrata herdou a fortuna dos pais ainda no século XIX e ou a istrá-la com rigor. Investiu em ações de ferrovias, companhias de energia e mineradoras na Europa. Inclusive, foi reconhecida pela ONU como a primeira mulher a investir na bolsa de valores brasileira. Morreu lúcida, ainda a frente de seus negócios, em 1930, na cidade do Rio, por problemas recorrentes nos rins. Nunca se casou e nem teve filhos. A socialite morava em um luxuoso apartamento em Copacabana, que, segundo os mais próximos, sempre foi rodeada de funcionários. Deixou um testamento detalhado, em que determinava a aplicação de sua riqueza em projetos sociais, sobretudo em sua cidade natal.
Entre as obras viabilizadas com a venda de apólices e ações, surgiram o Colégio Regina Coeli — voltado para meninas órfãs —, um instituto profissionalizante, que mais tarde se tornaria uma unidade do Senai, e o Hospital Eufrásia Teixeira Leite. Todos foram erguidos em terrenos que pertenciam à família. A principal herdeira de sua fortuna foi a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Vassouras, que recebeu também a parte originalmente destinada ao Colégio Salesiano de Santa Rosa, em Niterói, após a recusa da instituição em cumprir as exigências testamentárias. Além disso, valores menores foram destinados à Fundação Oswaldo Cruz, a empregados, parentes e até mesmo a pessoas em situação de rua em Paris, onde Eufrásia viveu parte da vida.

Com o tempo, parte do patrimônio se desvalorizou. Os rendimentos que sustentariam os projetos sociais foram corroídos por décadas de inflação e má gestão. Hoje, os imóveis históricos enfrentam problemas sérios de conservação. O antigo colégio está desativado, o instituto profissionalizante ocupa um terreno tomado pelo mato, e o hospital — o maior dos edifícios — exibe sinais visíveis de abandono, com infiltrações, umidade e criadouros de insetos.
O inquérito instaurado pelo Ministério Público cita a perda da função social de vários desses bens e aponta falhas na gestão da Santa Casa. A promotora responsável pelo caso, Renata Cossatis, pretende acionar os órgãos públicos para que os imóveis sejam tombados e, assim, protegidos por lei. Também busca responsabilizar os gestores pela deterioração dos espaços.
O testamento da aristocrata previa fiscalização rigorosa do cumprimento das cláusulas, inclusive por parte do juiz e do promotor da cidade. Eufrásia especificou não apenas os valores, mas também os fins de cada aplicação, deixando registrado o desejo de que sua fortuna fosse usada para promover educação, saúde e melhores condições sociais em Vassouras.
Antiga residência da família transformada em museu

Entre as poucas propriedades preservadas está a antiga residência da família, a Chácara da Hera. Tombada e transformada em museu, ela abriga parte da memória do ciclo do café no Vale do Paraíba fluminense. Seu estado de conservação é resultado de uma cláusula que impedia a ocupação do imóvel, protegendo o acervo original.
Na época, mulheres só podiam receber educação voltada para a convenção “familiar”, como costura, pintura e etiqueta. Mas, por nascerem em “berço de ouro”, Eufrásia e sua irmã puderam ter o privilégio de ter uma biblioteca em casa. Ao que tudo indica, seu pai foi um grande incentivador e professor das irmãs Teixeira Leite. 98% dos livros usados pelas irmãs eram escritos em francês. E esse acervo ainda pode ser visto e visitado no museu Hera
A história de Eufrásia, inclusive, já inspirou romances e estudos sobre o papel feminino na economia, o escravismo, a abolição e os bastidores da política imperial. Seu relacionamento com Joaquim Nabuco, abolicionista e diplomata, também foi tema de obras literárias, como Mundos de Eufrásia, A Mulher e a Casa e Um Mapa Todo Seu.
É triste ver tudo isso se degradando.?????
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