Uma voz anuncia os apoios oficiais, os nomes dos artistas principais e os cuidados em caso de emergência. A luz vai baixando aos poucos e lá do fosso da orquestra começam a subir os primeiros acordes da abertura. A música nos prepara, tensiona as emoções para o que virá a seguir. Está começando O Lago dos Cisnes, com o corpo de baile e a orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
São muitas as histórias e mudanças que cercam essa estreia. Dois anos de pandemia deixaram vazio o teatro recentemente restaurado, os artistas afastados uns dos outros, os técnicos em suas casas, sem poderem exercitar sua profissão, e o público saudoso. Quantos, lá e cá, de cada lado da boca de cena, não terão adoecido ou perecido? Agora é a hora do reencontro, de matar as saudades, de religar os refletores, de fazer soar os instrumentos.
Há também as histórias pessoais dos artistas. Do menino que saiu de Cabo Frio e foi parar em Moscou, se tornando primeiro bailarino do Teatro Bolshoi. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, ele se viu obrigado a tomar uma decisão drástica, saindo às pressas do país e da companhia que o acolheu, para se aventurar por outros palcos do mundo. Aqui, a cidade que ainda não o havia visto dançar, terá esse comovido reencontro com David Motta. E há a primeira bailarina, Claudia Mota, outro dia no comando da comissão de frente de uma Escola de Samba, agora transmutada em cisne. Sua emoção cresce, por ter anunciado que esta seria sua última temporada no papel de Odile-Odette.
Já conhecemos a história que irá se desenrolar diante dos nossos olhos. Mas o prazer de acompanhar esse drama sempre se renova. Sabemos que o príncipe recusará as pretendentes que lhe são sugeridas, sabemos que, ao se embrenhar na floresta, encontrará cisnes no lago e se encantará por um deles. Sabemos do feiticeiro e do engano a que o príncipe será levado. Mas queremos rever cada momento dessa trama, sentir a excitação do príncipe, o temor do cisne, sua hesitação, suas reservas sendo quebradas, e a sua entrega num dueto apaixonado. Tudo isso a bailarina nos transmite com pequenos gestos das mãos, pelo oscilar dos braços, pelo alçar das pernas e por leves meneios da cabeça.
Nos alegramos pelo tão aguardado quarteto dos pequenos cisnes, suas pernas se movendo em rapidez e sincronia e suas cabeças circulando em conjunto. E pelos grandes cisnes que esvoaçam pelos quatro cantos do palco. E nos surpreendemos com as sutis mudanças de posição dos demais cisnes, que se enfileiram, viram de lado, esticam uma perna, mudam os braços, circundam o casal em redemoinhos e se entrecruzam em sintonia pelo palco. Da mesma forma, já conhecemos, mas queremos rever, as danças dos convidados do baile, as danças de caráter dos países. E o que dizer do bobo da corte, interpretado pelo sempre magnífico Cícero Gomes">