Vitor Friary – ‘Smiling Depression’: entenda o que é a depressão funcional

Diferente da ideia clássica que associamos à depressão, alguém que não consegue sair da cama, com aparência abatida e vida social comprometida, a depressão funcional é mais silenciosa

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Você é aquela pessoa que dá conta de tudo no trabalho, tem uma vida social relativamente ativa, cumpre responsabilidades, posta fotos sorrindo… mas, no fundo, sente um vazio, uma exaustão emocional constante, uma tristeza sem nome? Se sim, talvez este texto seja pra você. Nos últimos anos, tenho atendido no consultório muitas pessoas entre 30 e 40 anos que carregam exatamente esse tipo de sofrimento: a chamada “depressão funcional” ou como também é conhecida, “smiling depression”.

O que é depressão funcional?

Diferente da ideia clássica que associamos à depressão, alguém que não consegue sair da cama, com aparência abatida e vida social comprometida, a depressão funcional é mais silenciosa. A pessoa funciona. Vai ao trabalho, cuida dos filhos, faz as reuniões diariamente, vai à academia e treina, entrega resultados. Só que por dentro, sente que algo está quebrado, incompleto ou faltando.

A grande armadilha é que, por parecer estar tudo bem por fora, essa pessoa raramente é percebida como alguém que está sofrendo. Muitas vezes, nem ela mesma se dá conta do que está vivendo.

Histórias que escuto no consultório

Vou te contar sobre a “Ana” (nome fictício), uma cliente de 36 anos, gerente de marketing, casada, mãe de uma filha de 5 anos. Ana chegava às sessões sempre arrumada, articulada, com um ar confiante. Mas bastavam alguns minutos para ela confessar, com lágrimas contidas: “Eu acordo todos os dias com uma angústia que não sei de onde vem. Cumpro tudo o que tenho que fazer, mas me sinto uma impostora, como se estivesse prestes a desmoronar. Por mais que eu tenha uma vida boa, me sinto infeliz”

Outro caso foi o de “Marcelo”, de 39 anos, empreendedor. Para os amigos, era um cara divertido, bem-sucedido, sempre pronto para ajudar. Mas nas sessões, ele revelava um cansaço profundo: “Não consigo parar. Se eu paro, eu penso. E se eu penso, eu me sinto um fracasso, como se tivesse estagnado.”

Esses exemplos revelam um padrão comum: pessoas muito exigentes consigo mesmas, com alta capacidade de desempenho, mas emocionalmente depreciativas consigo mesmo por dentro.

Como identificar a depressão funcional?

Além dos sintomas mais conhecidos — como tristeza constante escondida, dificuldade em relaxar, cansaço persistente, automatismo nas tarefas do dia a dia e uma falsa sensação de “tá tudo bem” —, existem outros sinais importantes a se observar. Abaixo, listo 7 sinais que podem indicar que você está lidando com uma forma de depressão funcional:

  1. As pessoas tendem a te descrever como alguém “pra baixo” ou “negativo”, mesmo que você esteja sempre sorrindo. É difícil para você enxergar o lado bom das situações.
  2. Você é chamado de preguiçoso(a), mas na verdade está lutando diariamente para ter energia até para o básico das atividades.
  3. Não consegue aceitar elogios com facilidade. Mesmo quando reconhecem seu valor, você continua se criticando internamente.
  4. Seu peso varia sem explicação clara, pois seu apetite oscila conforme o humor — às vezes, você come demais; às vezes, não consegue comer nada.
  5. Você chora ou sente um desespero profundo “do nada”, sem um motivo aparente.
  6. No trabalho ou nos estudos parece tudo normal, mas socialmente você se sente deslocado(a), tentando fingir que está bem para não preocupar os outros.
  7. Você já pensou ou usa álcool ou outras substâncias para aliviar essa dor emocional — mesmo que não ita isso em voz alta.

Por que é tão difícil buscar ajuda?

Porque o mundo moderno valoriza e reforça o ‘desempenho’. “Dar conta de tudo” virou um status, uma regra de ‘sucesso’. E quando você está dentro desse sistema social, o sofrimento, silenciosamente, vai sendo normalizado: “É só estresse”, “todo mundo se sente assim”, “é fase”. Mas não é só isso. A depressão funcional é real. E como qualquer outra forma de sofrimento emocional, merece cuidado.

Mindfulness e autoconsciência: voltando a viver no agora

No meu trabalho com Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT), o convite é simples, mas profundo: parar, respirar e sentir o momento presente sem julgar se está certo ou não. No início, muitos clientes resistem e têm dificuldade de apenas se sentirem presentes. Sentar em silêncio, fechar os olhos e entrar em contato com o corpo e os pensamentos parece inável. Mas com o tempo, vão descobrindo que esse silêncio tem respostas. Que o corpo se acalma. Que os pensamentos automáticos e negativos nem sempre são verdadeiros. Que é possível olhar pra si com uma atitude profunda de gentileza, que se desperta durante a intervenção terapêutica.

Na prática clínica, percebo que quando a pessoa começa a se escutar de verdade, ela deixa de viver apenas no modo “fazer” e a a visitar o modo “ser”. É aí que o alívio começa. Se você se identificou, saiba que você não precisa se deixar levar por essas sensações de esgotamento ou de vazio. Buscar ajuda pode e muito ajudar. A vida adulta é cheia de desafios, e tudo bem não estar bem o tempo todo. Mas esconder a dor atrás de um sorriso constante pode fazer com o que a sensação de desconexão e depressão fiquem mais intensificadas. Cuidar da saúde mental é um ato de coragem e autocuidado, e existem muitas ferramentas muito boas para fazer uma diferença profunda nesse cenário.

Vitor Friary é psicólogo e mestre em psicologia pela London Metropolitan University. É autor de livros publicados no Brasil e nos Estados Unidos. Atualmente é Doutorando no Instituto Universitário de Lisboa e diretor do Centro credenciado de formação e tratamento em Mindfulness-based Cognitive Therapy (MBCT) no Brasil.

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